1.ª Edição



Entrevista à Professora Doutora Luísa Leal de Faria



No passado dia 10 de Outubro tivemos, para a nossa décima entrevista, a Professora Doutora Luísa Leal de Faria, cujo contributo para o projeto “Os Melhores Livros. As Melhores Leituras” foi, no mínimo, fascinante.

Quando é que começou a desenvolver o gosto pela leitura?

Comecei a ler desde muito cedo. Fui para a primeira classe aos cinco anos e aprendi logo a ler. Também tinha duas irmãs mais velhas, já com hábitos de leitura, o que facilitou a aquisição desse gosto. Tenho ideia que aos 6 anos já lia os livros da “Coleção Azul”, uma coleção para crianças com livros da Condessa de Ségur, entre outros. De facto, lembro-me perfeitamente desses livros da minha infância de quando tinha 6, 7 e 8 anos. Como eu e as minhas irmãs estávamos as três num colégio de freiras francesas, o francês foi logo a primeira língua estrangeira que aprendemos. Rapidamente começámos também a ler livros em francês. Eramos viciadas na leitura, num contexto de irmãs e primas que gostavam todas muito de ler, pelo que fiquei desde muito cedo com interesse por livros. Depois, tive algumas oportunidades que me permitiram ficar mais “sistemática” em termos de leitura: tive, por duas vezes, ter uma doença que se tratava com repouso e por isso nos três meses de cama, não havendo televisão no quarto e só um pouco de música de telefonia, a melhor forma de passar os dias era a ler. Fiquei uma leitora militante. Leio todos os dias; quando estava na reitoria levantava-me mais cedo e dedicava uma a duas horas, antes de sair para a universidade, à leitura de temas que não fossem diretamente relacionados com o trabalho, mas sim com a literatura em geral. Nunca parei (de ler)!

Qual o papel que os livros têm tido para si ao longo da sua vida pessoal e profissional?

Eu diria que tem sido um papel central porque, como disse, leio todos os dias. As minhas referências culturais e, naturalmente, da sociedade em que vivo e do mundo em que todos vivemos, são apuradas pela leitura. Quase podia dizer que leio de forma um tanto indiscriminada. Há livros que não recomendaria a ninguém (riso) e que, até tenho vergonha de confessar, são perfeitamente esquecíveis. Mas depois há, efetivamente, os livros que têm um enorme peso pelo facto de me ajudarem a compreender melhor o mundo em que vivo, a natureza dos problemas actuais e como é que, historicamente, a cultura em que nós vivemos hoje tem raízes no passado. E portanto a literatura, tanto a narrativa de ficção – que é a minha preferida e que está na base das minhas teses de licenciatura, doutoramento e trabalho de investigação – como a literatura crítica e a literatura a que chamaria de “literatura em geral” – obras que têm a ver com a história, a sociologia, a filosofia – constitui um espetro muito amplo de interesses. De facto, o conhecimento não tem só a ver com especializações e a literatura ajuda-nos a entender, ainda que com limites, as coisas que têm a ver com a sociedade, com as pessoas, com a maneira como nos relacionamos com os outros. Tento percorrer diversas áreas do saber e os livros têm-me ajudado a encontrar uma perspetiva própria, de maneira a não me fixar e cristalizar em respostas que são provisórias ou transitórias, mas antes que me ajudam a chegar um bocadinho mais longe.

Com tão vasta leitura, estamos muito curiosos para saber qual ou quais foram os autores que mais a marcaram?

Quando fazemos uma tese de doutoramento sobre um autor ou sobre uma obra, como foi o meu caso, naturalmente convivemos com essa obra durante muitos anos e o “meu autor” tinha uma obra enorme. Foi um escocês que viveu muitos anos; nasceu no final do século XVIII e morreu em 1881, em Inglaterra, chamado Thomas Carlyle. Naturalmente que desenvolvi com esta obra uma relação de grande proximidade embora houvesse muitas coisas das quais discordava, no sentido em que teria gostado mais do autor se tivesse pensado de outra maneira sobre alguns problemas. Mas claro que me marcou porque assinalou um objeto que foi o meu trabalho de investigação durante vários anos, e o seu pensamento influenciou várias gerações de vitorianos. Gosto muito da literatura inglesa oitocentista – da Great Tradition, como dizia F. R. Leavis – desde Jane Austen, passando por Dickens (um predilecto), ou George Eliot. E sem esquecer os poetas românticos, como Wordsworth ou Coleridge.

Das inúmeras leituras que já fez, tem algum livro que considere ter tido uma importância especial para si, ou na sua vida? E porquê?

Ao longo da vida fui ficando impressionada com vários livros. É uma resposta um pouco ambígua porque tenho tendência a pensar nos mais recentes, por serem aqueles que estão mais presentes na minha memória. Mas há um livro que me marcou particularmente e que é um livro que me provoca um espanto tão grande de cada vez que o abro, que me arrisco a dizer que, em termos de literatura, é “O” livro: Os Lusíadas! Com certeza esta é admiração partilhada por muita gente, mas para mim Os Lusíadas foram uma redescoberta. Há, de facto, uma fase em que nós temos que o ler, porque faz parte do programa. E porque é obrigatório, o interesse diminui, em comparação com o que é facultativo, com o que é opcional. Eu redescobri Os Lusíadas há uns quinze ou vinte anos, porque tinha de fazer uma comunicação em que queria fazer uma alusão ao livro. Revelou-se um livro em que cada página, cada estrofe, cada linha, cada palavra, nos enche de um espanto, que nos leva a pensar como é possível a língua portuguesa atingir aquela capacidade de expressão de ideias e de emoção, que ao mesmo tempo nos transporta para uma dimensão de grandeza que já não estamos habituados a ver na literatura portuguesa. Acho que vale a pena lembrar que Os Lusíadas está ali para se ler. Não que existe, porque toda a gente sabe que existe e do que trata. A leitura daquelas palavras é uma experiência que acho absolutamente fascinante. É um enriquecimento do vocabulário, das alusões e da cultura portuguesa e europeia, naturalmente com os condicionalismos e marcas da linguagem própria da época. Mas, ao mesmo tempo, é uma peça de literatura intemporal.

Depois, de entre livros mais recentes, há dois que gostaria de salientar porque foram também marcantes. Um deles é um livro em francês que se chama Les Bienveillantes, escrito por um autor americano chamado Jonathan Littell. É de facto um livro impressionante, para “leitores atléticos” porque é longo, complexo e muito denso. E no oposto a esse, embora também muito longo, um livro que acabei de ler há pouco tempo: um livro de memórias escrito por Salman Rushdie chamado Joseph Anton: A Memoir. Não diria que este livro foi marcante na minha vida porque tenho muitas reservas relativamente ao próprio autor e à maneira como ele se apresenta no livro. Mas, tendo em conta o tempo que agora vivemos, vale a pena lê-lo, por nos lembrar que existem ainda muitos limites à liberdade de expressão, entre outras liberdades, em certos cantos do mundo.

No entanto se me perguntasse que par de livros levaria se fosse para uma ilha deserta seriam, este (Os Lusíadas) e as obras completas de Shakespeare. São livros intemporais e são livros que nos marcam não só num determinado período da nossa vida, mas de maneiras diferentes ao longo desta.

Os Lusíadas

Editora: Verbo | Ano: 2006
Autor: Luís Vaz de Camões
ISBN: 9789722229548 | Págs: 304 
PVP: 11,10€ 
Preço UCP: 9,99€ (-10%)