Entrevista ao Professor Doutor Peter Hanenberg

O Professor Doutor Peter Hanenberg revelou-nos as suas preferências literárias, tanto alemãs como portuguesas, num momento de partilha repleto de humor.

Quando surgiu o gosto pela leitura?

O gosto pela leitura surgiu quando era criança. Comecei a ler como aluno, na escola, mas como leitor dedicado e interessado, se calhar foi mesmo nos últimos anos de liceu.

E quais os primeiros autores que se lembra de lhe terem interessado?

Além de livros de criança, que toda a gente lê, como os de Enid Blyton e de outros autores do género, tenho uma memória forte de um livro de Johann Wolfgang von Goethe, que era “A Paixão do Jovem Werther” e depois, um pouco mais tarde, dos livros do Franz Kafka. São estas as primeiras leituras que me marcaram profundamente.

Houve algum autor que tenha sido mais influente para si?

Sem dúvida nenhuma, o Kafka. Quem lê Kafka, nunca mais pode escapar a este modelo literário de grande valor filosófico e estético, em que se questiona o que é a vida, quais os grandes desafios da modernidade, ao mesmo tempo que se usufrui de uma linguagem aparentemente fácil e muito terra-a-terra, mas que abre, a cada passo, os seus abismos. Esta foi, assim, uma leitura que nunca mais deixei e que me marcou imenso. Profissionalmente, fui pela via dos estudos literários e dediquei-me a muitos outros autores, mas em termos de leitura pessoal deve ter sido essa a que mais me influenciou.

Em termos de leituras profissionais, onde sempre fui buscar inspiração para o trabalho foi na literatura, por exemplo, de Gotthold Ephraim Lessing, que é um clássico da literatura alemã, da época do Iluminismo, muito virado para questões filosóficas e questões da tolerância. Outro exemplo é o Heinrich von Kleist, um autor que experimentou todas as vertentes de Romantismo, Iluminismo, e até do Nacionalismo, um autor muito experimental, cuja vida acabou tragicamente, deixando-nos uma obra singular.

Trabalhei ainda sobre dois autores da literatura chamada “Pós-Guerra”. Dois autores que se preocuparam muito com o impacto do Nacional-Socialismo sobre a cultura contemporânea. Um é o Peter Weiss que tem obras traduzidas para português. Fez até uma peça sobre Portugal, que se chama “O Canto do Papão Lusitano”, uma peça anticolonial dos anos 60. Mas a grande obra do Peter Weiss é sobre o Nacional-Socialismo e sobre a estética de resistência relativamente a estes desafios ideológicos do século XX. O outro autor é um autor sensivelmente da mesma idade, o Wolfgang Hildesheimer que também escreveu sobre estes assuntos, mas de uma maneira menos polítizada e mais pessoal.

Há algum livro a que o professor costume retomar?

São três. O Kafka, sempre! E, curiosamente, no Kafka, mais os contos. O Wolfgang Hildesheimer que tem histórias que aparentemente são divertidas, mas que simultaneamente demonstram uma grande sensibilidade perante os perigos da vida pública do século XX e XXI, nomeadamente as ideologias e o racismo.

Na Alemanha, no Instituto de Estudos Alemães onde trabalhava, publicámos um livro que apresentava uma espécie de cânone, uma lista das obras que se deve ler, na literatura alemã, que se diriga a estudantes de Literatura. E, no meio deste livro havia uma referência a autores da literatura mundial, entre os quais, o Eça de Queirós e o Camões. Mas, dentro dessa lista, tínhamos também uma citação de Bertolt Brecht que nunca mais me esqueço e que costumo lembrar nestas ocasiões: À pergunta “Qual é o livro a que sempre volta” o escritor respondeu uma coisa muito surpreendente: “Vai-se rir. A Bíblia.”. Uma resposta muito verdadeira, pois a nossa cultura volta sempre à Bíblia. E a Bíblia é, ao lado de outras qualidades que tem, um grande livro. Do Kafka preciso para me orientar na vida. Do Hildesheimer preciso para manter um certo humor perante as situações trágicas do século XX e XXI. E da Bíblia, porque sim.